terça-feira, 18 de novembro de 2008

ENTREVISTA EXIBIDA DIA 23/09/2007, AO VIVO

ENTREVISTA EXIBIDA DIA 23/09/2007, AO VIVO
Da Assessoria de Imprensa da Fundação Padre Anchieta




>> PAULO MARKUN: Boa noite!
Ele considera que o principal conflito de hoje no Brasil é, em primeiro lugar, o do rico com o pobre e, em segundo, do preto com o preto e, em terceiro lugar, o do branco com o preto.
À frente de um dos mais importantes grupos do rap brasileiro, o que mais público atrai para seus shows de rua e que já vendeu mais de um milhão de CDs, ele é considerado a voz da periferia pobre de São Paulo. E faz da sua música um protesto e uma denúncia contra o racismo, o crescimento urbano caótico e a dura vida nos bolsões de pobreza da cidade. Numa rara aparição na TV, Mano Brown está hoje no centro do Roda Viva.

Ele é líder e vocalista dos racionais MC´s, grupo de rap que surgiu há e mais de 20 anos no capão redondo, região de Campo Limpo, numa das áreas mais populosas e pobres da zona sul de São Paulo. Você acompanha a entrevista num instante.

>> PAULO MARKUN: A música de Mano Brown e dos racionais MC´s deixa claro o conflito entre o centro e a periferia, entre o Brasil dos incluídos e dos excluídos. O grupo se transformou numa expressão das idéias sobre consciência negra no Brasil e fez dessa percepção sua marca no rap brasileiro.

>> Repórter: O rap surgiu na Jamaica, na década de 60, fora dos Estados Unidos e muito antes de estrelas como Eminem, Snoop Dogg e Public Enemy ganharem prêmios, com os aparelhos de sons nas ruas, líderes aproveitavam os intervalos das músicas para falar sobre as violências das favelas, racismo, drogas e a situação política. Com letras duras, o estilo do rap conquistou espaço e, em pouco tempo, estava presente em outros países, como França, Japão e Brasil.
O maior ícone do rap no país é Pedro Paulo Soares Pereira, pouco conhecido por esse nome, mas que não passa pela periferia sem ser reconhecido como Mano Brown. Líder do maior grupo de rap do Brasil, os racionais MC´s, ele é um dos artistas mais ouvidos nas regiões mais pobres do país. O grupo formado em São Paulo em 1988 tem, além de Mano Brown, Ice Blue, Edy Rock e o DJ KL Jay, nesse ano eles participaram com duas faixas na coletânea "consciência black". Dois anos depois, em 1990, saiu o primeiro disco do grupo, o “holocausto urbano”, com denúncias de racismo e da miséria na periferia de São Paulo. Em 1997, com o disco "sobrevivendo no inferno", os racionais MC´s venderam mais de 500 mil cópias sem uma grande rede de distribuição por trás e ganharam vários prêmios. O DVD "mil trutas, mil tretas", foi lançado em 2007 com shows, extras e um documentário sobre a história dos bailes black na periferia de São Paulo. O vocalista do grupo racionais MC´s diz que a consciência de raça do líder negro americano Malcolm X o fez entender coisas que estavam ao seu lado e que ele não entendia. Já interrompeu shows para conter brigas na platéia e para fazer discurso contra o álcool após ver um jovem bêbado entre os espectadores.
Avesso às tecnologias, não sabe mexer em computador e se considera uma pessoa rústica. O caráter durão herdou da mãe, que deixou a Bahia com 12 anos após brigar com o pai dela. Classifica o povo brasileiro como pacífico, mas já afirmou que pegaria em armas para fazer uma revolução.
Mano Brown raramente concede entrevistas e quase nunca faz shows fora da periferia. Já declarou que o seu verdadeiro público está lá. Foi quem o colocou no topo e precisa ouvir o que ele tem a dizer. Atualmente atinge também a classe média, falando de drogas e marginalidade.
>> Ah, se a vida fosse sempre assim, o palco, o show—

>> PAULO MARKUN: Para entrevistar o líder dos racionais MC´s, Mano Brown nós convidamos Paulo Lins, escritor, professor de literatura e roteirista de cinema. Convidamos Renato Lombardi, jornalista da TV Cultura. Maria Rita Kehl, psicanalista. Ricardo Franca Cruz, editor‑chefe da revista Rolling Stone Brasil. José Nêumane, editorialista do jornal da tarde, comentarista da rádio Jovem Pan e do SBT. Paulo Lima, editor da Trip. Temos o cartunista Paulo Caruso. O Roda Viva é transmitido em rede nacional de TV para rede pública em todo o Brasil e também por meio da rádio cultura AM em 1200 kHz. Para você participar do programa você pode fazer sua pergunta pelo telefone: 3677‑1310 ou pelo Fax. 3677‑1311. E pode também mandar a pergunta, sua crítica, sua sugestão pela internet acessando o site do programa: www.tvcultura.com.br/rodaviva. E você manda o seu e‑mail. Boa noite, Mano Brown.

>> MANO BROWN: Boa noite.

>> PAULO MARKUN: Numa das poucas entrevistas que você concedeu e que a gente acompanhou aqui pela pesquisa feita pelo Roda Viva, você se define como uma espécie de espelho, um espelho que retrata a realidade. Nesses quase 20 anos em que você está na estrada como artista, como compositor, o espelho Mano Brown registra alguma coisa de melhor ou a realidade piorou de lá para cá?

>> MANO BROWN: Ah, diria diferente. Diferente. Você dizer que melhorou pode parecer assim, melhorou um grão de areia, entendeu?

>> PAULO MARKUN: Sei.

>> MANO BROWN: Dentro do que a gente vê que precisa ser melhorado, então, eu me recuso a dizer que melhorou, mas também não sou cego de perceber mudanças, mudou. Mudar, mudou. Entendeu? Mudou para agora.

>> PAULO MARKUN: Menos do que deveria ser necessário?

>> MANO BROWN: Bem menos do que deveria, bem menos do que poderia.

>> PAULO MARKUN: E na arte? Quer dizer, você começou fazendo música sim, na periferia, mas só era ouvido lá. Você hoje você tem, e o seu grupo tem um espaço na chamada grande mídia. Isso mudou?

>> MANO BROWN: Eu não era ouvido nem lá.

>> PAULO MARKUN: Nem lá?
>> MANO BROWN: Não era ouvido nem lá, entendeu? Periferia é onde tem mais critério, mais bom gosto para a música. Entendeu? É onde se analisa mais se ouve mais, se ouve mais e se dá mais atenção, eu acho. Então, quando não é, não é, entendeu? Não tem meio termo, é, é, não é, não é. Periferia é assim. Então, quando a gente começou simplesmente não existia. Então, não tendo, as pessoas não entendiam o barato daquela roupa, as correntes grossas. Porque também no nosso bairro é... justamente a gente começou numa época onde o bairro nosso estava numa transição também.
Numa transição, vamos dizer assim, até violenta mesmo. Entendeu?
Hoje em dia você usa o boné, usa uma roupa, você anda numa banca de dez, quinze caras, tranqüilo. Antigamente você tinha que, não vou dizer disfarçar, mas houve uma época que... Na nossa quebrada você era um alvo, né?
Justo sério, extermínio, e foi justamente quando nasceu o racionais, nessa fase aí. Então, lá era mais difícil. Até do que nos outros lugares mesmo, lá na nossa quebrada era mais difícil.

>> PAULO MARKUN: Rita.

>> MARIA RITA KEHL: Eu queria saber o que você acha de movimentos sociais que surgiram também nesse tempo que os racionais estão aí na estrada? Tem um movimento lá no capão, quer dizer, não é no capão, em São Paulo, mas que é muito expressivo no capão que é MTST, movimento de trabalhadores sem‑teto. Tem até uma ocupação lá que está brigando bastante e o MST mesmo, eu gostaria de saber a sua opinião sobre esses dois movimentos sociais se você é otimista com a presença deles no Brasil ou não?

>> MANO BROWN: Sim, então, junto com esses, eu vou dizer os que eu acompanho mais, certo? Tem alguns movimentos que são hoje, são organizados dentro do capão, que eu acompanho alguns de perto, esses eu considero como mudança real, tipo, ter o capão cidadão. É uma organização dos próprios moradores pelos moradores. Tipo, nós por nós, tá ligado?
Deles. Lá de moradores lá, pessoas que são criadas lá, nascidos lá.
Para com a população deles, os próprios parentes, filhos, afilhados, entendeu? Família, família nossa que todo mundo tem lá. Então, a gente é, eu acompanho de perto. As outras organizações talvez eu acompanhe de longe.

>> MARIA RITA KEHL: E de longe o que você acha do MST? Perguntando de cara?

>> MANO BROWN: O que eu acompanho de longe, eu acompanho que tem um cara preso, certo, lutando que é por uma causa que não é só dele, dê milhões. Ele vai, pelo que eu estou vendo, vai pagar sozinho, não é isso?

>> MARIA RITA KEHL: Eu acho que não. Muita gente presa.

>> MANO BROWN: Estão querendo por o cara preso que está lutando por uma causa que é de muitos. Eu acho que é José Rainha, é isso?

>> MARIA RITA KEHL: Isso.

>> MANO BROWN: Eu até tenho que dizer que eu sou um cara que leio pouco mesmo, sou mal informado sobre muitas coisas. Mas, as coisas que me interessam, eu me informo, entendeu?
>> Brown, nessa linha, por exemplo, o que está acontecendo em Brasília é um negócio que você presta atenção? Essa movimentação toda, esses escândalos de corrupção? Você se liga nisso acompanha de perto?

>> MANO BROWN: Não de perto, mas eu acompanho.

>> O que você está achando, por exemplo, da forma como o Presidente Lula tem se posicionado diante dessas confusões envolvendo o PT, dessas denúncias de corrupção e tal. Eu vi numa dessas entrevistas suas aqui dizendo que talvez o Lula tivesse melhor fora daquela cadeira de Presidente, que na tua opinião a cadeira mais solitária do país, né? Queria que você falasse um pouquinho do Lula, especificamente.

>> MANO BROWN: É... eu gosto do Lula. Sou eleitor do Lula. Apóio o Lula e falo bem do Lula em qualquer lugar. E não, não espero benefícios por isso.
Não conto com nenhum benefício vindo do Lula ou de qualquer que venha do PT. Se vier, firmeza. Mas não espero por isso. Eu acho que o Lula, ele é um cara que veio de baixo, certo. Ele sabe que dar a cabeça dos amigos dele para os inimigos ele não vai dar, entendeu? Ele vai esperar a justiça se fazer por conta própria e acho que ele está posicionado certo.
Acho que não é da índole dele entregar um amigo dele que deu mancada, entendeu? Ele não faria isso. Eu acho que ele sabe o que é que é isso.
Ele não faria isso. Agora, ele vai deixar descobrir e se descobrir é pau no gato, é lamentável.

>> Tem bandido no Poder Legislativo, tem ladrão no judiciário, tem ladrão no executivo. Tem empresário que rouba, que bota dinheiro para fora.
Cartola de futebol, até o jogador está fazendo isso. Então, a gente vive nisso há muitos anos, todo mundo sabe disso. É muito difícil falar com um garoto pobre, preto que vive na periferia, que ele tem que ser honesto? Diante desse exemplo? Por que eu falo isso? Porque você falou que é assim, ele se espelha em quem está mais perto. Agora, o exemplo do Brasil, se a gente for ver, de modo geral, é muito maior do que está perto, tem muito ladrão no Brasil todo.
Fica difícil você falar para uma criança sem pai, que passa fome e tal, que ele tem que ser honesto, que ele não pode roubar?
>> MANO BROWN: Eu chego a dizer que eu nem considero eles desonestos, né? Dentro da realidade das armas que eles têm para lutar, do que eles aprenderam como meio de sobrevivência eles são honestos. Eu tenho certeza que com os parceiros deles eles são honestos. Com a família deles eles são honestos. Com os manso que estão presos eles são honestos. Tá ligado? Eles são honestos com quem é honesto com eles. Entendeu? Onde está a honestidade são valores, né?
Quando você fala que um assaltante de banco é desonesto você tem que olhar para a sociedade se a nossa sociedade é honesta. A nossa sociedade, eu costumo falar para os mano, quando a gente está conversando, que a nossa sociedade é criminosa. É omissa. Ela é cega quando quer, surda quando quer.
Omissão é crime, né? Não é? Então, acho que se você for categoria de criminosos, entendeu? Tá todo mundo na mesma, na igual.

>> Mas essa a saída não seria a lei para todo mundo?

>> Mas a lei não é para todo mundo, nunca vai ser para todo mundo. Nunca vai ser para todo mundo.

>> Mas, espera aí, a maioria do povo lá no capão redondo na periferia de São Paulo, nos bairros pobres.

>> JOSÉ NÊUMANE PINTO: A maioria é honesta, a maioria trabalha, a maioria caminha, vai a pé da sua casa, esse é o verdadeiro herói brasileiro. O herói brasileiro não é o que se torna bandido para se dar bem. O herói brasileiro é aquele que trabalha. E lá no capão redondo, de onde você vem, você sabe disso. Quer dizer, o Brasil é um país de cento e quarenta milhões de honestos reféns de vinte milhões de desonestos. Nós não podemos--

[INTERRUPÇÃO POR PROBLEMAS COM A CONEXÃO]

>> MANO BROWN: Uma casa, certo?
Não tinha uma estrutura mínima, nem o mínimo do mínimo. Tínhamos o quê? A minha família, os irmãos, tá ligado? O amigos, esses fortalecia, era o que a riqueza maior e é o que eu quero ter até enquanto eu tiver assim condições ter a minha maior riqueza que é os meus amigos, é o que eu tinha. Então, o que mudou hoje? Hoje eu tenho o meu carro, certo? Hoje a minha mãe mora numa casa que eu comprei com o meu dinheiro, certo? Com o rap. Comprei a Casa. Pode até parecer, pô, o cara está falando que ganhou dinheiro. É melhor do que enterrar o meu dinheiro numa boate, entendeu, meu? Parece que todo preto cantor tem que acabar na boate, acabar no boteco, na sarjeta e não vai ser assim, meu. Depender de nós, mudou isso vai, tem que acabar, mano? Entendeu? Então a gente procura fazer o quê?
Fazer estrutura, comprar uma casa para morar, tá ligado? Dar uma condição mínima para uma condição mínima. Entendeu?

>> RENATO LOMBARDI: Esse é o Mano Brown de hoje?

>> MANO BROWN: É, tem uma condição razoável que pode dizer assim: Agora dá para dizer, para tentar criar um filho, antigamente não tinha.

>> RENATO LOMBARDI: Qual a diferença do Mano Brown que cantava rapaz que falava de amor e falava dos próprios bailes. Você fuma o que vem, entope o nariz, bebe tudo o que vê, faça o diabo feliz. Como é que é essa mudança?

>> MANO BROWN: É, isso aí... a gente chama uma dura, vamos dizer assim, uma idéia mais séria.

>> PAULO MARKUN: Você acha que essa dura, essas duras emplacam?
Elas fazem à cabeça?
>> MANO BROWN: Sim, eu costumo, eu costumo receber assim, ouvir e também, nos parceiros, eu tenho os meus sócios, meus parceiros que eles também, eles cobram de mim e eu ouço deles, eu também falo para eles, e eles falam para mim, e eu falo para outros. A gente tem que o que falar. Tem o que falar.

>> RENATO LOMBARDI: O Brown na, pergunta do Lombardi na, tua resposta, Pedro Paulo, Pedro Paulo e Mano Brown não parecem ser a mesma pessoa. E lembrou um pouco essa história do Pelé, que criou essa separação entre o Edson e o Pelé quase como uma defesa de uma pessoa pública. O Pedro Paulo e o Mano Brown são a mesma pessoa ou não são?

>> MANO BROWN: São a mesma pessoa.

>> MARIA RITA KEHL: Eu quero te perguntar exatamente dessa questão dos amigos, dos manos, acho que é a coisa mais legal, não é um astro que quer se destacar, mas, ao contrário, quer estar cada vez mais junto dos amigos.
Eu acho isso como referência que você cria para o jovem muito mais importante do que o cara que se põe acima de todo mundo e os outros têm que admirar. Agora, você disse agora a pouco que o honesto é aquele que não trai os amigos. Agora a pouco na outra pergunta, não é? E no “Jesus chorou ali” você está claramente falando de traição. No Jesus chorou. Nada como um dia após outro dia.

>> MANO BROWN: Certo.

>> MARIA RITA KEHL: Você pode dizer um pouquinho no seu meio e com tudo o que você conquistou de amizade, de gente solidária a você o que é que é traição, atualmente?

>> MANO BROWN: Traição—
>> MARIA RITA KEHL: Aquela música é bem triste, mostra que está magoado.

>> MANO BROWN: Nessa música em si não se trata nem de uma traição, porque a pessoa que fala, na verdade ela não conhece. Ela não me conhece.

>> MARIA RITA KEHL: Ela ouviu dizer.

>> MANO BROWN: É, ela está passando a idéia ali, o que acontece ali,? Não é traição, traição quando você menos espera você. Mas não é um assunto que me, esse assunto traição, esses problemas da vida que é um problema comum a todos, e não só a mim, não sou diferente de ninguém. Não é um barato também que me preocupa tanto, entendeu? Tem coisa assim mais, que me preocupa mais do que isso. Hoje eu sou um cara que eu lido tranqüilo. Não tenho medo disso.

>> MARIA RITA KEHL: E a inveja das pessoas?

>> MANO BROWN: Não tenho medo também de inveja.

>> MARIA RITA KEHL: De estar melhor ter conquistado essas coisas.

>> MANO BROWN: Não tenho medo mesmo, não tenho porque não pode ter medo.

>> Você está falando dos parceiros agora, você tem um selo, lançou alguns discos agora tem a rapaziada do Rosana Bronx e tal, ouvindo o disco, percebe‑se a sua mão, o seu dedo na produção executiva, como que você trabalha. O que você passa para eles, para esses seus amigos? Que tipo de direcionamento artístico você passa para eles?

>> MANO BROWN: É... para eles nunca ter vergonha de mostrar o que eles aprenderam, que eles sabem fazer. Nunca ter receio de expressar, de falar o que sente. Não ter medo de arriscar, de ser novo, de ser diferente. Amar a música. Amar a música, amar o que eles fazem. E estudar o que eles fazem.
Acho que eles são rappers, são músicos. E eles têm que ouvir a música e não só o rap.


[INTERRUPÇÃO POR PROBLEMAS COM A CONEXÃO]


>> PAULO MARKUN: Emendar a pergunta do rapper e colaborador do metrópolis, aqui da TV Cultura, Rappin Wood que é mais ou menos nessa linha e a gente junta as duas.

>> RAPPIN WOOD: Salve, salve, toda a rapaziada do Roda Viva, satisfação estar aqui vendo o Mano Brown sendo entrevistado. Brown, satisfação estar falando contigo, parceiro, você está ligado mil e ano. Para que é um rapper da antiga que veio daqueles bons tempos do metrô São Bento, o começo, o início na galeria 24 de maio. Eu queria saber de você qual a principal mudança que você vê no rap, no hip hop, daquele tempo para hoje em dia? E queria saber se você acha que essa mudança é positiva ou negativa? Valeu!

>> MANO BROWN: Beleza. Rappin Wood é parceiro. A primeira coisa que eu acho positivo foi o número, cresceu numericamente, isso aí se falar que é negativo, é positivo. Cresceu em números, hoje a gente vai no, de Norte a sul do Brasil tem grupo de rap, tem... posse, tem organização, tem uma ONG, tem um quartinho, tem um escritóriozinho ou escritório é na esquina, mas os moleques estão fazendo as coisas. Então a gente tem que ver que os números são a nosso favor, eu falava isso há 20 anos atrás, os números e pesam para o nosso lado.
Os números são nossos. Quem tem a maioria é nós, quem tem a massa somos nós tem que fazer esses pesos virar para nós.


[INTERRUPÇÃO POR PROBLEMAS COM A CONEXÃO]


>> Zona Leste! Amo vocês! Quantas vezes eu pensei e em me jogar. Mas aí a minha área é tudo o que eu tenho. A minha vida é aqui eu não consigo sair. É muito fácil fugir, mas eu não vou, não vou trair quem eu fui, quem eu sou...

>> PAULO MARKUN: Bem, esse é o trecho da música “fórmula mágica da paz” dos racionais MC´s. Grupo do qual faz parte Mano Brown, entrevistado de hoje no Roda Viva. Aliás, o programa completa nesta próxima sexta‑feira 21 anos.
Mano Brown a música fala que não dá para sair, que fugir não é a solução.
Qual é a solução?

>> MANO BROWN: Você vê, essa música foi feita em noventa e oito, noventa e seis, eu morava na Cohab, já não moro mais. Pode parecer até contraditório. Aí o que acontece, problema de moradia na minha vida sempre foi muito constante, sempre foi o que, o problema da minha vida foi moradia.
Então, eu jurando lealdade a uma quebrada é até estranho porque eu morei 300 quebradas, morei de aluguel a vida toda, na mesma rua, morei em três casas, às vezes. Então, eu optei por ser leal. Entendeu? E o que é que é ser leal na periferia?
>> MANO BROWN: Ser leal é tentar investir, tentar participar, tentar, tentar pelo menos executar a pretensão, eu vou executar, não é assim. Isso aí depende da opinião, que depende de mil pessoas, mil mentes diferentes que entre inteligente e igual a você e que pensa diferente. Você tem que negociar. Periferia sei lá... Vamos fazer e tá feito. Você tem que negociar, tem que explicar por que. O dinheiro é escasso para investir tem que ter um por que.
Tem que investir certo. Não pode errar. Não tem espaço para errar. Não tem dinheiro sobrando para errar.
Então, você convencer as pessoas que dá para investir no bairro é um... era um barato que eu tinha na minha mente naquela época. Hoje eu acho que dá para você, eu até entendo se as pessoas quiser sair do bairro. Eu aprendi a entender isso. Porque existe lugares onde o problema é crônico, não vai resolver. Como você vai resolver uma situação de uma favela. Que é construída num terreno, vamos dizer assim, uma palavra íngreme, vai, que se usa.
>> PAULO MARKUN: Uma pirambeira?

>> MANO BROWN: Barrancão, o cara constrói a casa dele, gastou o dinheiro dele, sei lá de uma carreira, numa empresa, para construir uma estrutura de casa, construir, fazer um sobrado, dar um acabamento legal. Falou: Pô, tem gente que investiu a vida ali, ele vai ter que melhorar aquilo ali. Ele vai viver ali. Mas quem não quiser também tem o direito de sair. Você entendeu? Eu passei a ter essa visão depois dessa música. Entendeu? Quem quiser sair tem direito de sair. Tem direito de procurar um jeito de situar melhor porque eu também fui obrigado a sair. Não saí por opção, fui obrigado a sair, procurar um jeito de morar.

>> RENATO LOMBARDI: Independente das letras das suas músicas de orientação. O que mais o teu grupo faz para poder orientar, para poder abrir a cabeça das pessoas, dessa juventude toda que está aí com droga em tudo quanto é esquina? Com violência em tudo quanto é esquina? O que mais vocês fazem, independente das letras e dos, da mensagem que vocês passam?

>> MANO BROWN: Eu vou te falar um negócio cabuloso agora. Por incrível que pareça, o lugar onde tem menos violência hoje é uma favela, meu. Entendeu? Onde tem menos violência hoje é uma favela, você vai ver violência no asfalto. Dentro de uma favela tem controle.

>> RENATO LOMBARDI: De quem, do traficante?

>> MANO BROWN: Não, da população, da opinião da maioria e da justiça.

>> MARIA RITA KEHL: E a violência da polícia?

>> MANO BROWN: O certo tem que ser.

>> MARIA RITA KEHL: E a violência da polícia que você fala bastante das letras?

>> MANO BROWN: Sim, isso é outro assunto longo, né?

>> MARIA RITA KEHL: Não, a pergunta.
>> MANO BROWN: Que faz parte, se a comunidade não se une, se não tem alguém para unir a comunidade e ter uma organização mínima, vira alvo fácil para qualquer tipo de força exterior, polícia, ou outras forças ruins. Entendeu?
A polícia é a maior delas. A favela tem como eleita o inimigo nº 1 a polícia. Por quê? Não é o rap que decretou isso, o Brown não inventou isso.

>> MARIA RITA KEHL: Claro.

>> MANO BROWN: Eu na nasci as pessoas mais velhas falavam para mim: Fica longe de polícia, cuidado eles não gostam de mais.

>> RENATO LOMBARDI: Mas as mensagens que vocês passam, me explica, eu queria que você falasse um pouco disso. Essas mensagens que vocês passam, você conseguem entrar na cabeça, a letra é essa, o caminho é esse, eu vou cair fora do roubo, vou seguir o meu caminho. Você é um exemplo disso.

>> MANO BROWN: Eu sou uma exceção. Eu não diria que eu sou um exemplo porque eu não sou um exemplo nem para o meu filho.

>> RENATO LOMBARDI: Sim, mas você tem uma legião que acredita no que você canta, no que você passa.

>> MANO BROWN: Não, assim, tenho amigos, pessoas que gostam da música, mas eu não gosto seguir a música de outros músicos que eu gosto viver eram, eu gosto de Marvin Gaye, é impossível viver o que ele viveu, entendeu? Então, o que eu digo, qual é o meu exemplo, as pessoas que estão perto de mim me vêem, conhecem os meus defeitos e as minhas qualidades, elas sabem até onde a palavra vai ter efeito. Eu não posso achar que realmente eu estou cativando um exército de pessoas. Porque isso aí vai me atrapalhar.

>> RENATO LOMBARDI: Mas você sabe a responsabilidade que você tem?

>> MANO BROWN: Não sei.

>> RENATO LOMBARDI: Não sabe?

>> MANO BROWN: E não quero ter, entendeu?

Quero ser livre. Eu sou um cara livre. Esses fardos eu não aceito, não pego.
>> RENATO LOMBARDI: Tem... você canta: “nas ruas do sul eles me chamam Brown, maldito, vagabundo, mente criminal, que toma uma taça de champanhe e também curte tubaína, fanático, melodramático, bom vivant, depósito de mágoa”. O que você quis dizer?

>> MANO BROWN: Sim, é muita idéia, né?

>> RENATO LOMBARDI: Mas é, me chamou a atenção aqui, realmente é...

>> MANO BROWN: Sim, a gente fala...

>> RENATO LOMBARDI: Vamos lá, vamos separar. Nas ruas do sul me chamam Brown, maldito, vagabundo mente criminal, fala um pouco sobre isso?

>> MANO BROWN: Antes de mais nada, é uma rima.
[Risos].

>> RENATO LOMBARDI: Sim, mas é pesado.

>> MANO BROWN: Para ficar legal, bem pá, você curte música, você tá ligado? E também a realidade também é explicitamente é isso mesmo, as pessoas me chamam de Brown mesmo.Eu sou criminoso sem ser. Ou sou, entendeu? Talvez eu seja realmente. Na verdade nós somos, todo mundo aqui é criminoso. Quando a gente aceita o Brasil que a gente vive e a gente está, tira onda vai tomar cerveja, comer pizza, fazer samba nós somos todos crime criminosos.

>> RENATO LOMBARDI: Por isso eu te falei da responsabilidade, eu sou jornalista, então a gente denuncia, a gente critica, a gente investiga. É o que é o teu caso, você passa a mensagem, a tua mensagem vai para muita gente, vai para o garoto de 12, 13 anos, até o adulto. Que está naquele, no barco que está para ir e não vai. Isso que eu perguntei.

>> MANO BROWN: Veja bem o mundo que a gente vive. Eu tenho que ter consciência que é o seguinte, os Racionais é um grupo de rap, o rap é um gênero. Existem outros vários gêneros musicais onde a juventude ouve.
Não ouve só o rap. A periferia não ouve só o rap.
Dentro da música negra tem pelo menos uns outros oito ritmos que disputam a preferência das mesmas pessoas. Dá ligado? Dentro da periferia, tem forró, forró isso, esse forró universitário, samba, samba aquilo é... reggae, reggae não sei o que, tá ligado? Tem várias divisões, todo mundo curte um som negro, algum som. Periferia curte um som negro mesmo, forró, tá, e o rap nacional é um, tem o rap americano ainda.

>> RENATO LOMBARDI: Quantas pessoas vão nos shows que vocês apresentam em média?

>> MANO BROWN: Relativo, já cantei para 20, já cantei para 20 mil.

>> PAULO MARKUN: Uma coisa, aliás, em relação ao rap, André Fernandes aqui de São Paulo pergunta: O que é diferente entre o rap americano e o brasileiro?
>> MANO BROWN: Acho que o rap americano é mais evoluído, eles alcançaram um lugar onde eles deveriam estar mesmo, hoje eles usam a favor deles, eles usam a máquina, a máquina é podre e eles estão fazendo, já que é podre e não vai melhorar eles fazem o dinheiro vir para o lado deles. A gente sabe.

>> PAULO MARKUN: Mas o discurso social lá não é tão forte como aqui.

>> MANO BROWN: Eu não estou na fase de exigir um controle de rap esse discurso social. O rap é um músico, acho que ele tem que falar de sociedade o que ele sente. Se não sente não tem que falar, não é porque é rapper que tem que falar de problema crônico, sociedade e tal. Acho que o cara tem que ser livre, o compositor, o letrista.
Você não pode chegar, pegar o moleque que está agora começando dentro da casa dele, num cômodo e jogar: Fala desses problemas aqui que é a sua cara. Jogar um fardo de 200 quilos nas costas do moleque sendo que dentro da casa dele ele não tem o mínimo para ele. Entendeu?
Ele tem que lutar pela vida dele, e o rap é isso também, é lutar pela sua própria vida também, individual, lutar pela sua sobrevivência.

>>>> Como é que você compõe? Como é o processo de composição para você? Como você bola uma letra dessa, como você chega nessas rimas? Como é que é a tua rotina nisso aí?

>> MANO BROWN: Primeiramente, a necessidade, se eu não cantar rap eu não como, certo? Eu tenho um filho para criar. Eu preciso cantar para viver, né? Então, eu preciso, de alguma forma, eu ia fazer algum


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[INTERRUPÇÃO POR PROBLEMAS COM A CONEXÃO]


Vê artistas e tal, dificilmente o cara ter um casamento estável e de muito tempo. Queria saber a importância disso para você se manter inteiro, né?
Ter um casamento sólido e já com, com longo tempo. Eu queria saber também de onde vem esse tipo de idéia, por exemplo, numa das tuas músicas aqui está, está dito o seguinte: Fale o que quiser, o que é verme o sangue bom tanto faz para a mulher. Não importa de onde vem nem para que se o que ela quer mesmo é sensação de poder. Acho que é estilo cachorra. Eu queria que você falasse um pouquinho da importância da mulher na sua vida e da mulher como um todo. Como é que é o rapper que encara a mulher.

>> MANO BROWN: Então, deixar uma coisa bem clara, né? Esse rap eu deixo ele de lado aqui, agora eu vou falar da minha mulher.
[Risos].
>> MANO BROWN: Não tem nada a ver uma coisa com a outra, certo? São assuntos diferentes. Bom, no caso do rap, além da brincadeira, é claro, para mexer com as mulheres para trazer um pouco de mulher para os rap também, elas gostam de provocação, a realidade é essa. Elas gostam. A partir do momento que você trata pelo menos, você relata ela como um... um ser inteligente, que já, em outras músicas já retrata como animal mesmo, como....

>> PAULO LIMA: Aquela história da loira burra, por exemplo.

>> MANO BROWN: Não vou dizer nomes de músicas, nem pensei nessa música, mas, por exemplo, assim, nessa música do racionais a gente não põe a mulher também como uma coisa desprezível. Ela usa a beleza dela, ela usa o charme, ela usa, ela sabe usar também. Tá ligado? E tem mulher também que não precisa usar nada, usa a inteligência só e já era. Né? É só música mesmo, entendeu? Quanto a família, você perguntou da família. Uma coisa que eu não gosto é de falar sobre a minha família, justamente para que dure mais. Tá ligado. Quanto menos expor mais dura.

>> O que é que te tira do sério, hein, Brown?

>> RENATO LOMBARDI: Futebol te tira do sério?

>> MANO BROWN: Tira do sério.

>> RENATO LOMBARDI: O Santos?

>> MANO BROWN: O Santos tira do sério demais.
[Risos].

>> MANO BROWN: Rouba vários domingos, vários domingos tristes.

>> RENATO LOMBARDI: Mas te leva à discussão, te leva...

>> MANO BROWN: À discussão.

>> RENATO LOMBARDI: Conta aí o último incidente que aconteceu com você que você...


>> MANO BROWN: Não, aquilo lá não foi... besteira, meu. Não tinha nada a ver não. Você foi apartar a história ou como é vai apartar tudo a torcida jovem, teve uma discussão que a hora que o santos tomou o gol do Corinthians, ficou todo mundo tirar bravo, começou a se ofender mutuamente, os mais bravos começaram se atracando, foram para a delegacia, entendeu? Os caras que estavam mais nervosos mesmo, fanático. Eu fui um deles. Estava nervoso também, outro mano estava nervoso também, outro também. Todo mundo nervoso ia dar no quê? Coisa de jogo, nada a ver não. >> O Brown, tem uma notícia muito engraçada, a manchete na verdade é engraçada, curiosa. De 2004. Junho de 2004: Mano Brown paga fiança é solto e chora. Não vou nem entrar nesse assunto dessa notícia. Mas queria saber a última vez que você chorou, se você lembra ou o que foi? >> MANO BROWN: Essa manchete foi mentira, não chorei nada. >> Você nunca chorou? >> MANO BROWN: Lógico, já chorei. Quem nunca chorou. >> Você se lembra da última vez. >> MANO BROWN: Que eu chorei? >> É. >> MANO BROWN: Ah, quando... Sabotagem morreu. Eu lembro que eu chorei. Chorei assim... bem discretamente, né? Tem os irmãos que chorou muito mais aí. Mas eu... eu chorei por dentro e cheguei a chorar também porque foi um dia muito triste assim para nós, né? Foi um dia, marcou muito. De lá para cá, graças a Deus, não. Não precisou, não careceu, né? >> MARIA RITA KEHL: Brown, deixa eu te perguntar uma coisa sobre a sua questão com as crianças, porque às vezes dá a impressão que está todo mundo aqui achando que os racionais poderiam resolver o problema da criminalidade, as perguntas são muito... assim, se você pode dar exemplo, se você pode convencer. Acho que não é por aí mesmo. É a arte e você é excelente poeta. Acho que é por isso também que a sua música ultrapassa a questão da realidade local. Agora, tem uma música, no nada como um dia, que chama 12 de outubro, que o tema é uma criança que está revoltada com o dia da criança porque xingou a mãe que não deu presente e levou um tapa. Lembra dessa música? >> MANO BROWN: Sim. >> MARIA RITA KEHL: E aí você, na música, não sei se ela é sua? >> MANO BROWN: Sim. >> MARIA RITA KEHL: Você começa a dizer que é por isso que pode nascer um criminoso aí, está revoltado porque levou um tapa. E eu fiquei pensando: Bom, se essa cena é verdade ou não, não importa, pode ser inventada, mas que essa mãe que deu o tapa, ela pode estar desesperada porque justamente não conseguiu comprar o presente, né? Então, eu penso se o que levaria essa criança para o crime, essa revolta que levou um tapa. Essa criança inventada aí. Ou se é porque ela se vê numa sociedade em que tem tanta coisa sendo exibida para ela, que ela devia ter e que ela acha que não vale nada porque não tem. Isso me preocupa muito pela questão de como a gente, o valor das pessoas está ligado a isso. >> MANO BROWN: Certo. >> MARIA RITA KEHL: Às vezes o tapa da mãe não é tão grave para revoltar quanto esse sentimento de não valer nada. >> MANO BROWN: Olha, essa música, ela é minha em parceria com o Silveira, né? É o homem que toca o violão. A música é mais dele do que minha, né? >> MARIA RITA KEHL: Ah‑hã. >> MANO BROWN: Pelo certo, eu fui narrando uma coisa que tinha acontecido no caminho, nós estava indo para gravar e no caminho aconteceu isso, eu cheguei pensando, ele estava o violão tocando e saí falando, foi meio assim. Aconteceu rápido, né? E quanto à realidade do que estava acontecendo naquele momento. O que eu também, o... o que ali de uma certa forma os maninhos que estavam jogando bola com ele não estava na revolta que ele tava. Ele tava. Os outros mano já falou: Tomou o tapa na cara, xingou a mãe ele. Eles, os moleque que falou: O mano você brigou com a sua mãe. É, me bateu, pá. Contou a história, não quis também se expor muito. Eu falei: Pô, mano, topa um tapa na cara no dia das crianças, que presentão, né? É melhor não ganhar nada, mas, sei lá, um tapa na cara marca, né, meu? Seja da mãe. A minha mãe mesmo nunca bateu na minha cara. Bateu, quebrava, mas não batia na cara, entendeu? Então, eu acho que certas coisas humilha assim, marca. E pode ser também um caso, esse caso também não é que vamos explorar esse caso que foi um caso. Não é todo mundo que é assim, mas existem pessoas que vivem assim. >> PAULO MARKUN: Você fala muito da sua mãe e fala do seu pai com mágoa. Por quê? >> MANO BROWN: Não, na verdade eu não tive o pai, né? Teve um pai mas eu não conheci, não conheço. Também não quero conhecer. Certo? Não faço questão. É... poucas coisas. Eu não tenho muita coisa para falar sobre pai, meu? >> PAULO MARKUN: E você como pai? >> MANO BROWN: Quando o pai parece com a gente, torce para o mesmo time, assim, é da hora. Eu não tive isso. Mas não tem problema, entendeu? Não tenho, não tive problema relacionado à falta do meu pai. >> PAULO MARKUN: E você hoje tenta suprir isso com os seus filhos ser um pai presente? >> MANO BROWN: Não. Sou ausente. Infelizmente, eu sou ausente. >> PAULO MARKUN: Por causa do trabalho, por causa da música? Ou é mesmo porque não está sempre perto? >> MANO BROWN: Por causa do instinto, talvez, de ficar longe. E o trabalho, né? >> PAULO MARKUN: Como do instinto? >> MANO BROWN: Não sei, talvez eu não saiba lidar com essa história, eu não sei ser presente, eu não sei ser presente. Eu acho que eu sou um cara que eu, aonde eu estou muda, muda o.... Tira a paz do lugar, entendeu? E a minha casa tem que ter um ritmo. Eu sou outro ritmo. Eu não quero que eles vivam na minha função, em função do que eu estou vivendo agora. Porque eles têm a vida deles. Meu filho tem a vida dele. Eu não quero que ele seja um Brownzinho, ele não é. >> O Brown, o que é amor para você? Pegando o gancho nessa história de filho, família etc. O que é amor? Como você define isso? O que isso representa na tua vida? >> MANO BROWN: Amor é lealdade, compromisso, seriedade, responsabilidade com o seu irmão, com sua mulher, com seu filho pá. >> Quer dizer, não é um negócio muito divertido? >> MANO BROWN: É divertido quando você gosta. É divertido quando você gosta. Quando você não gosta, passa a ser trabalhoso, né? Quando você gosta, você faz por amor. Então, acho que amor é isso. Eu amo meu filho, amo minha mulher, amo minha mãe e amo meus amigos também, entendeu? Não tem como você, eu gosto do meu amigo e amo a minha esposa, você gosta do seu amigo, um dia você separa da mulher e o seu amigo fica ou vice e versa. Você tem que... o que é amor, né? Você vai falar: Você eu gosto. Você eu amo. Acho que você gosta, né? Você gosta, você gosta, você ama, gostar e amar para mim é a mesma coisa. >> PAULO MARKUN: A propósito da cultura da periferia, o Ferro esse que é autor de livros sobre o cotidiano violento do capão redondo em São Paulo tem uma pergunta. >> O Brown, queria te fazer a seguinte pergunta: De uns tempos para cá a periferia vem fazendo a sua própria arte, tá ligado? A gente está fazendo os próprios CDs, as próprias roupas e as próprias músicas, eu queria saber se esse é o caminho certo realmente? Se a gente está fazendo a coisa certa? Se esse é o caminho viável para a periferia? >> MANO BROWN: Sim. Ferro ex é um cara importante hoje, ele tem uma loja no Capão, Onda Sul, que é um fenômeno de venda, na minha opinião, de coisas relacionadas à marca dele, né? Boné, camisa, moleton, foi uma coisa que deu certo e é um exemplo. Porque outras grifes nasceram a partir dessa também. Apesar que a primeira grife foi a nossa, certo? Nós lançamos a vida louca, que a gente não vende, não temos loja que comercializa nada da vida louca, mas foi a primeira grife, a partir dessa vieram outras.Outras com fins lucrativos o que é justo. >> Esse boné tem alguma coisa a ver com a grife, esse negócio de usar boné? >> MANO BROWN: Não, esse boné é de uma família da Zona Leste DRR. É uma posse, né? Que inclui vários grupos de rap aqui de movimento cultural, né, do bairro. E DRR, para os manos é a consciência humana, o negro, e outros irmãos, menos crime, irmãos de São Mateus. Uso aqui para homenagear os caras mesmo. >> A questão da criminalidade dos bandidos realmente que estão ali de frente, estão armados e estão lá. A gente vê, eu vou fazer 50 anos e 30 de favela. E vi que mudou bastante, né? E, sobretudo, pela questão das armas. Antigamente o pessoal resolvia com 38, 32, 38 era uma arma pesada. Como você vê assim, nesse tempo que você tem que você tem de, você começou a analisar a vida, como é que a malandragem mudou muito? O traficante mudou muito? O ladrão mudou muito? Como é que está hoje? >> MANO BROWN: Oh, mano. Vou te falar, falar de traficante é fo... É... mesmo porque é como se a gente tivesse falando até dos nossos, entendeu? Os nossos amigos, da nossa família, do nosso parceiro, dos caras que está lado a lado, muitas vezes é o traficante que nós está falando. >> Eu estou falando de sofrimento. Por exemplo aqui assim. Por exemplo, hoje em dia são mais novos, são mais velhos. Essa é a questão, não é falar do traficante mas— >> MANO BROWN: Os mais sábios. >> Mas da dificuldade. >> MANO BROWN: Os mais sábios estão conseguindo ficar mais velhos. E os que conseguiram se manter pegaram uma fase diferente. Eles, com certeza, eles acham mais fácil hoje, os mais velhos. Eles acham mais fácil. Hoje, você está falando sobre favela, sobre vida dentro da favela. >> É. >> MANO BROWN: Sim. O que é que é uma favela? Como é que é uma organização de uma favela? A gente sabe que a favela precisa da organização. Como é a organização da favela hoje? Quem é que sabe dos problemas da favela? O governo sabe? Não sabe.O assistente social sabe 70%, 50. O cara da ONG sabe 80. >> E quem é que sabe? >> MANO BROWN: Quem está ela dentro, quem mora lá dentro, conhece todo mundo, conhece quem nasceu, que sabe dos problemas. Sabe quem está preso. Sabe quem está precisando de uma ajuda o filho de quem está precisando. É... >> O traficante entra nessa fatia aí? >> MANO BROWN: Eu não falo só o traficante, mas vamos dizer assim a favela tem a sua organização. Certo? A gente fala o traficante, vamos falar comerciante, vamos trocar esse termo, o traficante e usar comerciante. >> PAULO MARKUN: Tudo bem, mas não tem favela em que você tem confronto entre quem é organização da favela, os moradores, a associação dos moradores e os comerciantes, como você chama? >> MANO BROWN: Por exemplo, quem dá segurança para os comerciantes da favela? Quem protege a favela? A polícia protege? São perguntas. Perguntas geram outras, eu estou perguntando, quem protege? >> PAULO MARKUN: Você vê a coisa como se fosse uma guerra? >> MANO BROWN: Não vejo como guerra, eu vejo como uma situação. >> MARIA RITA KEHL: Mas o traficante protege de quem, protege dele mesmo? >> MANO BROWN: Não, ele protege do sistema. >> MARIA RITA KEHL: Você fala muito nas luas letras. >> MANO BROWN: O, entre aspas, que vocês chamam de traficante, eu chamo de comerciante, o cara que comercializa cocaína, vamos dizer assim já abertamente, ou a maconha, ou qualquer tipo de droga é um comerciante como qualquer outro. >> MARIA RITA KEHL: Sim. >> Que leva as pessoas para a cadeia ou para o cemitério. >> MANO BROWN: Agora, o dono da 51 não tira a cadeia . A Ambev não tira cadeia. Se você tomar quatro latas de cerveja você vira o super homem na Marginal. Ele não vai tirar uma cadeia. Filho dele não vai ficar marginalizado como filho do presidiário. O que faz mais mal, uma dose de 51 ou o cigarro de maconha? Não estou perguntando se você usa? O que faz mais mal? Teria que ter um médico aqui. Para se falar de droga tem que ter um médico. >> Não precisa usar para saber, dá para responder, é 51, disparado. >> MANO BROWN: Certo. Esses caras não vão presos, porque eles não são pretos, não são, certo, não são morador de favela, não são morador de periferia, eles não vão preso. Agora um comerciante de maconha ele vai preso. Um usuário, ele vai preso. Agora, não vai mais porque a justiça é flagrante. >> Você é a favor da legalização? >> MANO BROWN: Se é para negar todas as drogas, nega todas. Entendeu? Para acabar a hipocrisia. >> JOSÉ NÊUMANE PINTO: Você é a favor de legalizar? >> MANO BROWN: Eu não sou a favor de nada, sou a favor que todo mundo vivesse bem e não precisasse de droga nenhuma para entender nada. Você conseguisse entender o mundo que você vive sem usar nada. Eu sou a favor disso. Mas quando você passa a não entender o mundo que você vive, você recorre a alguma coisa, quem sou eu para dizer que ele é isso, ele é aquilo, ele é B, C, traficante, usuário, eu não sou ninguém, meu. São situações. Você vive numa situação hoje que você está bem. Você é jornalista, você opina, você fala. Forma opinião. Amanhã você não sabe, mano? A vida é assim. Então a gente aprendeu isso. A vida é assim. Você está legal, amanhã você não sabe. Você pode estar no beco dos tristes lá. Tá ligado? Você pode estar lá! Então, os tristes estão lá no beco, vamos ver o que é que eles estão pensando em vez de recurso minar, falar que eles são o lixo ou falar que... né? Vamos lá ouvir o que eles, por que é que eles não se adaptam a nada, eles não gostam de nada? Por que é que eles preferem esse caminho e não o outro que vocês insistem que tem que ir? >> PAULO MARKUN: Eu queria só pedir licença para fazer um rápido intervalo. Nós vamos continuar tratando desses e outros assuntos no Roda Viva. Dom Pixote do grupo “o time”, nego Wando que é também do “o time”, do Bronx e Negreta ambos do grupo “Rosana Bronx”. E o programa Sr. Brasil apresentado por Rolando Boldrin recebe, amanhã, terça‑feira, às nove da noite o grupo carioca MPB 4. A gente volta já já. >> PAULO MARKUN: Estamos de volta com o Roda Viva que hoje entrevista Mano Brown, do grupo racionais MC´s. Mano, a pergunta é de Marcelo Mirisola. Ele pergunta o seguinte: Você já cogitou que preto pode pensar como branco e branco pode pensar como preto? E que as idéias podem acontecer independentemente da cor de quem pensa? >> MANO BROWN: Na verdade é isso mesmo. Agora, são culturas diferentes, né? Com exceção dos maninhos que é branco e que mora lá dentro da quebrada, mora dentro da favela ali no cotidiano que ouve samba, curte rap, já anda igual, usa camisa listadinha, já é preto também. Fora do nosso mundo, você pode, aí você fala assim: O resto é branco. >> PAULO MARKUN: Você— >> MANO BROWN: Eu tenho um amigo que é branco de olho verde: você é negão, por quê? Ele anda igual, ele fala, ele curte, ele se veste é o mundo que ele vive. >> PAULO MARKUN: É uma questão de classe social, se é branco? >> MANO BROWN: Convívio, cultura, não basta ser pobre, você pode estar lá convivendo e não gostar. Você pode estar vivendo lá e não gostar. Tem cara que mora lá dentro e vira polícia justamente porque não gosta do que ele está vendo, ele não gosta dos caras que ele vê na rua, entendeu? Você pode viver lá dentro e não gostar. Na verdade periferia é isso, mil pessoas e mil universos diferentes, mil mentes diferentes, mil inteligências. >> Falando em pobreza e em convívio social que você está dizendo agora, tem uma entrevista tua de 2001 que tem uma fala sua, a seguinte: Dar condição para as pessoas ganharem o seu dinheiro, o povo não quer ganhar nada de graça. Ninguém quer ser filho de assistência social. >> MANO BROWN: Isso. Favelado tem orgulho. Se o PT ganhar a eleição e começar a doar salário para as famílias que estão desempregadas com o tempo não vai dar mais resultado. O cara que vive do seguro do governo é a parte mais baixa da sociedade. E o que você está achando dessa bolsa‑família e dessa política do governo atual. Quer dizer, o PT ganhou a eleição e está fazendo exatamente isso que você falou. Como é que é a tua análise hoje dessa história de bolsa‑família, por exemplo? >> MANO BROWN: Bom, está ruim, mas tá bom, né? O invés, está bom, mas está ruim. Vamos dizer assim, não é a solução ideal. Eu acho que o trabalhador, o pai de família, ele tem orgulho próprio, ele quer manter a família dele independente da ajuda do governo. Não é uma coisa que ele vai se orgulhar e, pelo contrário, ele vai procurar até deixar discretamente. Se ele for um usuário desse benefício ele vai ser discreto ao máximo. >> Isso balança o orgulho? >> MANO BROWN: Vamos dizer assim não é uma coisa que humilhe também a pessoa, porque o governo tem certas obrigações com o seu povo. E dar o mínimo de estrutura, de escola, de ensino básico ou de um hospital decente, uma creche decente, uma escola decente é o mínimo. E uma renda mínima para você poder pôr seus filhos na escola, ter o material, uma roupa de escola e eles poder ter a alimentação que uma criança precisa para poder aprender, uma coisa é você comer, outra coisa é você comer para, e poder se desenvolver com o que você come. Tem certos tipos de comida que você, mano, você come e daqui a pouco você já está com fome e você não aprende nada porque a concentração é o básico da escola. Se você não está com fome só aquela comida que você comeu não fez, não fez a diferença, você não se concentra. Então, você não aprende. E essas ONGs todas que estão entrando nas periferias do Brasil inteiro? Aparentemente o lado rico da sociedade está entrando através das organizações não‑governamentais etc. Primeiro, eu queria saber se você está nas ações delas. Segundo eu queria saber se você acha que a motivação é deliberada, é uma tomada de consciência ou é mais culpa e medo? >> MANO BROWN: Não. Eu tenho, por exemplo, assim, por exemplo, tem lá no Capão tem a casa do Zezinho, certo? Que eu já visitei, conheci, conheço a tia dali. Uma pessoa que a gente vê o trabalho. A gente vê que ali não tem porque estar fingindo, porque estar querendo. O mundo dela é aquele ali mesmo, ela quer aquilo ali mesmo. Os troféus dela está ali mesmo. A gente vê. Eu não vou lá todo dia eu sei que é assim. Então, eu acredito que existem pessoas realmente que estão a fim de mudar, de participar e fazer a mudança. Existe. No Capão se eu falar que o capão é um lugar desassistido, eu vou estar mentindo. É o lugar talvez hoje dentro das periferias de São Paulo um dos lugares mais assistidos por, organização não‑governamental, por movimento. De vez em quando está com câmera no capão falando francês e inglês, o que está acontecendo aí. >> E a criminalidades caiu lá completamente. >> MANO BROWN: Sim, pergunta por quê? Porque a comunidade ajudou. A comunidade que faz acabar a violência, a polícia não faz. >> Assim, aquele projeto da Marta, aquela escola. Eu visitei a escola e gostei muito na época. Como é que está o CEU hoje? O que é que você acha daquele projeto? >> MANO BROWN: O CEU é um castelo. É o sonho do rapper. Acho que quando eu comecei a fazer letra de rap eu imaginar um lugar que nem o CEU. Pô, não tem isso, não tem aquilo. Você pegar fim de semana no parque, fala daquilo ali. >> MARIA RITA KEHL: Hum‑hum. >> MANO BROWN: E pô, quando a Marta perdeu a eleição, eu cheguei desacreditar até de mim mesmo. Eu falei: Pô não é possível. A mulher fez esse monte de escola aí para nós, para nós e nossos pivetes, nossos moleques e ela perdeu a eleição. Aí eu desde que lei o quê? Que a nossa classe é desse unida. E a classe rica é unida. A classe média, a finada classe média já que ainda se julga ser e a classe B e A, eles fizeram a Marta perder a eleição. E a nossa classe, que tinha que ter elegido ela, a gente estava dividido. >> PAULO MARKUN: Mas o CEU continua. >> MANO BROWN: No momento da eleição eu encontrei os amigos divididos na urna. >> MARIA RITA KEHL: O que dividiu, tipo— >> MANO BROWN: Valores diferentes, valores que não deveriam nem ter vindo à tona. Tipo assim, a mulher separou do marido e está com outro cara um argentino. Umas pegadas que, tá ligado? Foi juntando uma coisa com outra. Foi gerando não vou dizer uma antipatia, mas vamos dizer assim, um desafeto assim. Tá ligado? Fala: Não, prefiro aquele outro lá com cara de.... Que não está com nada mesmo e vou votar nele mesmo. Mas, todo mundo sabia que a Marta ia fazer a diferença. Mas votou contra. Tá ligado? É um tipo de revolta que eu não entendo. Eu falei: Eu cheguei a discutir com os caras, como assim você vai votar no Serra, mano? Como assim— >> Fechou o CEU? >> MANO BROWN: Não, meu filho vai no CEU, meus sobrinhos vão no CEU, meus priminhos vão no CEU. >> O CEU estava, hoje ele funciona do jeito que quando começou? Ou está— >> MANO BROWN: Na verdade, o jeito que teria que funcionar realmente eu não sei como que teria que ser, 100%. Mas o que eu vi lá, eu acho que só de você estar lá dentro convivendo com aquelas coisas, tendo aquele universo para você viver ali dentro, explorar aquilo ali, já é uma glória. Agora, se vai dar resultado daqui a 20 anos nós vamos ver se vai sair um Beethoven lá do capão. Sair— >> PAULO MARKUN: Quando você disse que leu a biografia do Malcolm X, o líder americano, numa das poucas entrevistas que li sua, você mencionava que queria sair de lá fazendo a revolução. O discurso que você faz hoje não é exatamente o da revolução, é? O que é que mudou? >> MANO BROWN: Na verdade hoje eu me nego até dizer que eu tenho um discurso. Acho que discurso é corda para se enforcar, entendeu? Eu sou, eu procuro ser livre. Eu opino como cidadão. Não como político ou líder de nada. Eu sou um cidadão. Eu opino, eu falo o que eu acho. E então eu já não me julgo. Eu estou dando o discurso porque na verdade eu estou falando uma coisa que eu sinto. Pode soar como discurso para outras pessoas, para mim não é discurso, entendeu? Então, eu nunca disse que eu tenho um discurso ou que eu vou mudar o meu discurso. Eu não tenho discurso. >> Você conseguiu, Brown, fazer uma revolução interna no seu jeito de ser, de pensar? Você conseguiu lutar contra os seus, suas próprias contradições, seus próprios medos? Você consegue isso hoje? >> MANO BROWN: Na verdade, as contradições só acabam quando morre, né? Tipo, eu era um cara, hoje eu estou de Nike no pé, mas eu já xinguei a Nike muito por aí. Entendeu? Mas eu descobri também que a Adidas não me dá nada se ficar falando mal da Nike. Eu derrubo um e levanto a outra. A Adidas é dos alemães, não são nada. Estou de Nike, o KL Jay não usa Nike, vai ver o Nike que o Blue tá no pé? Entendeu? É contradição, racionais é isso, é 4 caras, 4 mentes. 4 idéias, entendeu, meu? Eu sou o mais confuso dos quatro sou eu mesmo. >> Como você vê a pirataria hoje, Brown?. Eu queria saber, essa... tem uma história de que na época do “sobrevivendo no inferno” houve um acordo entre racionais e ou camelôs ou quem fazia disco para vocês não perderem com essa venda dos piratas. E parece que isso, isso, um boato, um rumor e agora na época do DVD também houve isso. Eu queria saber se isso é verdade e como você vê a pirataria? Como você se protege da pirataria, porque afinal você é um artista. >> MANO BROWN: Não tem como se proteger na pirataria, eu tenho vários amigos que trabalha no ramo. >> PAULO MARKUN: Comerciantes. >> MANO BROWN: Conheço os irmãos que estão na rua vendendo o Brown, assina aí, eu falo: Pirata eu não assino, irmão. Pô, mas é sobrevivência. Eu entendo, cara, na verdade quem fica rico é o chinês. Mas, é o ganha pão do irmão também. Então, como eu não sou polícia e também não vou andar com polícia prendendo ‘pirateiro’ que não é a minha, eu uso aquele slogan, vocês é a minha rádio, tocam o dia inteiro a minha música no centro da cidade e divulga aí e me ajuda. O que eu não ganho, em venda, eu ganho com outras coisas que eles me dão, a pirataria me dá notoriedade, me dá, põe a minha música na rua. >> Esse papo de acordo é xaveco? >> MANO BROWN: Não, não existe acordo. Tem um respeito, é uma classe também, são trabalhadores também. Se tivesse um meio melhor para trabalhar eles, com certeza, eles estariam lá, não iam estar correndo da GCM no centro, certo? >> PAULO MARKUN: Vamos fazer mais um intervalo. Lembrando que a entrevista é acompanhado por Sérgio Ricardo, bancário, Caroline Zeferine, estudante de jornalismo, Pedro Calado, estudante de economia da PUC, Fausto Eike, bancário e Caio Blat, ator. E agora na próxima quinta‑feira, 10:40 da noite, veja o debate sobre educação no Brasil, no programa "Opinião Nacional", com Alexandre Machado. Até já! >> PAULO MARKUN: Estamos de volta com o último bloco do Roda Viva. Hoje entrevistando Mano Brown, do Racionais MC´s. Pergunta de Elza da Silva Carlos, de Ribeirão Pires: O que é que você acha das cotas para negros? >> MANO BROWN: Acho importante. Acho que o movimento negro está na vanguarda porque o ensino deveria ser realmente gratuito para todos e os negros estão na linha de frente nessa parte aí eu acho que politicamente nós estamos mais adiantados. Porque, na verdade, o ensino é... faculdade, a faculdade, o ensino superior, ele deveria ser gratuito. Na minha visão. Porque há países que, Cuba deixou de ser Nova Iorque para ser pelo menos Cuba. Brasil não, quer ser Nova Iorque. Então, a gente esquece de fazer as coisas mais simples, como dar condições para as pessoas serem o máximo que elas puderem ser. E não tentar ser francês. Tipo assim, se você dá condição para o brasileiro ser um homem no mundo, não digo só dentro do Brasil, dá condições de um homem comum brasileiro ter uma faculdade e ele ter um ensino superior, um ensino decente. Vai ser superior, eu digo um ensino, uma cultura que ele vai poder concorrer né... no mundo, né? No mercado do mundo, né, pelo emprego dele, você vai ter um país forte. Você vai ter um país bom. Se todas as pessoas tiver o ensino. A partir do momento que você renega o ensino para a grande maioria e deixa uma minoria no poder perpétuo, trocando de pai para filho na mesma cadeira. Só trocando as pessoas, a família continua a mesma, os donos, entendeu? Então, eu acho que isso faz o Brasil perder. Quando todos tiverem condições de ter um ensino, o Brasil vai ser, vai crescer, o Brasil todo. Entendeu? Então, a cota para negro, eu acho que deveria mudar esse termo, porque na verdade o movimento negro lançou um desafio para o governo cabuloso, porque o Brasil deve para os negros muito. Deve muito. Mas não deve só a faculdade, deve muito mais. A faculdade é só um detalhe. O ensino para que os negros possam competir de igual no mercado mundial, não digo nem brasileiro, mundial, por que não disputar um emprego com um cara lá na, em Paris, por que não? Os ricos, eles mandam os filhos estudar fora, né? Entendeu? Não manda? E por que também a gente não poderia disputar um emprego fora, ou dentro, ou qualquer lugar? Desde que você tenha condições de disputar. Quando você não tem condições, aí você se torna um problema. Entendeu? Então, a cota para negro é o mínimo. >> Só que Cuba não é bom exemplo para isso não. >> JOSÉ NÊUMANE PINTO: Cuba tem um ditador lá há 47 anos e não é, propriamente, um exemplo de prosperidade nem de competição, né? >> MANO BROWN: Sim. Depois que todo mundo ajudou a afundar Cuba é fácil. Mas, por exemplo, eu usei no exemplo assim, Cuba valorizou mais as pessoas e menos as máquinas. Então, você tem lá médicos, você tem os atletas, você tem as pessoas e o mundo tratou de boicotar Cuba para que isso acabasse, né? Certo? De uma certa forma isso, infelizmente, vai acabar e Cuba vai ser um exemplo de fracasso. Mas não é fracasso. Tá ligado. Não é um fracasso, deu errado porque foi embargado. >> PAULO MARKUN: Agora, você é socialista? >> MANO BROWN: Boicote. >> PAULO LINS: Você é socialista, você acha que todo mundo tinha que ser igual, trabalhar igual, ganhar igual? >> MANO BROWN: Deveria ser igual, lógico, eu não vou falar eu sou isso, eu sou socialista. Eu sou eu. Mas, por exemplo, eu penso assim, não deveria faltar comida para uns e sobrar para outros. Tipo, eu fui para o exterior, já viajei para fora. Eu vi os caras jogando prato de comida fora assim. Duas colheradas e joga fora. Eu falei para o cara, no Brasil isso alimenta duas famílias, ele falou: Irmão, aqui é Nova Iorque. >> MARIA RITA KEHL: Mas aqui também se desperdiça muito. >> MANO BROWN: Mas tem gente que pensa que está em Nova Iorque. É o que eu falo. Eu acho que o grande problema do Brasil é que a gente nunca se aceitou nem como Brasil direito. >> MARIA RITA KEHL: Eu quero te perguntar, que você falou que não tem um discurso, fiquei meio confusa. Porque eu acho, tenho a impressão como ouvinte que os racionais têm um discurso. Não o discurso de botar regra para o mundo inteiro. Mas quando você fala pensar, a gente como a gente, ou o negro se identificar com a sua cultura. Queria que você falasse um pouco de uma coisa que sempre achei muito coerente nas letras, que é a cobrança de atitude do negro. O que é que é isso? Cobrança de atitude? >> MANO BROWN: Eu não cobro atitude, mesmo porque eu não tenho condições de cobrar nada, certo? >> MARIA RITA KEHL: O que você chama de atitude? >> MANO BROWN: Eu sou cobrado. >> MARIA RITA KEHL: Tem aquela— >> MANO BROWN: Atitude vem de ato, ato, agir. Agir. Atitude nem sempre tem que ser da forma que eu faço. Não é isso que é atitude. Atitude é agir. Simplesmente agir. Atitude. Você vê um saco de lixo, certo? Está na frente da sua casa. Você sabe que o carro vai passar em cima e vai acabar com a sua rua você vai lá, simplesmente troca o saco de lugar, isso é atitude. Tá ligado? >> MARIA RITA KEHL: É uma responsabilidade pelo seu lugar? >> MANO BROWN: Cuidar de você, cuidar da sua família, cuidar dos que estão perto de você é atitude. >> Brown, qual o seu grau de instrução, hein? >> MANO BROWN: Oitavo série. >> Série. >> Não teve a oportunidade de continuar estudando ou... >> MANO BROWN: Tive, mas não gostei. Tive assim, estava empregado e resolvi pagar o primeiro ano colegial. Colegial, né? E não gostei da escola. Não me adaptei, não gostei do convívio. Eu saí fora. >> Você acha que até onde você estudou foi suficiente para você continuar a sua vida? >> MANO BROWN: Não, não foi suficiente, insuficiente. >> Que tipo de mensagem você passa quando você visita os seus manos nos presídios e nas unidades da Febem? Que tipo de mensagem você— >> MANO BROWN: Olha, por incrível que pareça, você encontra muita sabedoria dentro desses lugares aí. Dentro de presídio, dentro de cadeia. Você encontra sabedoria, você encontra inteligência acima do normal até porque é naqueles momentos que o homem, ele realmente se descobre. Tá ligado? Ele descobre, acho que ele descobre o... aquele lado que na rua era adormecido ou distraído, né? Um lado distraído que ele tem na rua. Lá dentro você ouve coisas impressionantes. Entendeu? Como você está preso com essa inteligência, cara? Entendeu? Então, que idéia que eu levo? Eu levo companhia, quando eu vou, também não sou freqüentador de cadeia que nem parece. Eu já fui em várias cadeias, eu tenho amigos presos. Certo? Eu tenho o Dexter que é um amigo meu que está preso, eu tenho o Abrão, que é rapper, os dois são rapper, são artistas e estão presos. É gente que está fazendo muito melhor para a sociedade na rua. Lá dentro eles estão inutilizados. O sistema inutilizou eles. O Dexter, o Abrão e outros irmãos que são músicos ou não, são artistas de alguma forma. >> Para melhorar o Brasil, para a gente conseguir melhorar essa desigualdade, a gente deveria começar por onde? Qual seria o primeiro ponto, quando você pensa: Nossa, aqui deveria mudar. A gente deveria começar por aqui. Qual seria a primeira atitude? >> MANO BROWN: Eu não estou nesse grau de sabedoria para saber como é que a gente vai resolver. Eu estou no olho do furacão, tá ligado? Do problema. Na verdade eu faço parte do problema, né? Eu estou igual você, eu estou como todo mundo, procurando uma solução, procurando qual é a melhor solução para mim e para os que estão perto de mim. Aí vai ampliando, né? Aí os que estão perto, vai ficando mais longe. Você vai tentando ampliar as coisas que você sonha para você e fazer as pessoas sonhar junto com você. Tá ligado? Mas, aí, você tem aquele é... por exemplo, eu não posso aceitar, um negócio assim, que eu sou um cara que sou um exemplo. Porque fazendo o que eu fiz dificilmente a pessoa conseguiria as coisas que ela precisaria. Tá ligado? >> Mas já era, não é Brown, você é um exemplo, querendo ou não. Apesar do fardo não te incomodar de alguma maneira, sei lá, você pega no seu disco mais recente tem um encarte lá, a foto da molecadinha, tal e está você lá. É... não tem muito‑‑ não, assim, o cara se espelha em você de alguma maneira. O cara ou quer se vestir como você, ter a atitude que você tem, quer fazer o som. Por isso que você tem a responsabilidade. Você tem uma grande responsabilidade. >> MANO BROWN: Esse tipo de espelho é profundo porque é coração, certo? O cara, quando ele gosta de você e quer usar uma roupa que parece a sua é profundo. Mas é superficial quando o cara só quer parecer com você. Isso não é bom para ele. Eu acho que eu sou eu. Você é você. O mano é o mano. Ele vai descobrir o talento dele onde está. Ele não é o Mano Brown, mas ele também não precisa ser o Mano Brown, ele pode ser ele e descobrir quem é o verdadeiro, o lado dele. Quando eu fui buscar o meu. E estou buscando. >> Quando você leu Malcolm X, quando você ouviu “two pac”, essas coisas você viu de alguma maneira? >> MANO BROWN: Quando eu li o Malcom X eu me vi, vi tudo. O mesmo mundo, o universo que eu vivia estava ali naquele livro. >> Para você, quem são os grandes líderes brasileiros de todos os tempos? >> MANO BROWN: Sim, eu vou te falar, eu sou um cara até ignorante se eu citar nomes eu vou ser leviano. O Jair está aqui presente, ele vai te dar uma lista, se você perguntar para ele. Ele dá uma lista de líderes nervosos que vieram pelo menos 100 anos antes do Brown, antes do Bill, antes do Taíde, antes do “facção central”, “realidade cruel”, “mister Catra” e outros manos que vem dessa geração de músico, falando dessas coisas, né? Existiram outras pessoas antes que não, não gravaram disco. Vieram antes do videoclipe. Vieram antes da MTV. Vieram antes dessas coisas.E lutaram. >> Fala‑se muito do papel que o tráfico, os traficantes, eles ocupam o papel que deveria ser do estado, né? Um lugar que deveria ser do estado. Você acha que a música ocupa isso também de alguma maneira? >> MANO BROWN: Sim, a música é presente, né? A música é aquele, quando ela tem que ser pelo menos companheira do cara, ela não precisa ser o pai, nem o psicólogo, mas tem que ser pelo menos companheiro. Muitas vezes você quer ter do seu lado um companheiro, não um psicólogo e nem um pai, nem um padre, nem um pastor, você quer ter um companheiro que pelo menos vive as mesmas coisas e vai trocar idéia com você à altura.Não de cima para baixo. Então, eu falo para os manos do rap, o rap não tem que ser professor, nem exemplo, nem líder. Nós temos que ser pelo menos companheiro dos mano, companheiro das pessoas, de ombro a ombro entendendo os manos. O rapper, ele é o exemplo, ele é o líder, ele é cobrado ferozmente. Cobrado ferozmente a atitude que ele deveria ter que ninguém tem também. >> PAULO MARKUN: Brown, o nosso tempo está acabando eu queria fazer uma última pergunta já que você diz que ninguém te provocou. Eu vou te provocar de leve aqui. A essa altura do campeonato só de leve. Quando eu era jovem a onda era o movimento de paz e amor. Festival de Woodstock, rock para todo mundo, né? Todo mundo numa boa. Você é um cara paz e amor? >> MANO BROWN: Não. >> PAULO MARKUN: Você é um cara que tipo? >> MANO BROWN: Eu sonho com paz e amor, mas a vida não é. >> Você sorriu oito vezes aqui no programa hoje, te incomoda? >> MANO BROWN: Já foi a fase de eu me preocupar com, sorrir ou não. Talvez a gente vai ficando mais velho vai vendo que as coisas não são, os monstros não são tão feios e nem tão fortes como parece. >> PAULO MARKUN: Nem o Mano Brown? >> MANO BROWN: Ninguém, ninguém. Ninguém, ué. Mano Brown é um ser humano, meu. Mano Brown é um rótulo. Eu, quando eu comecei eu era Brown do capão. Aí, numa caminhada me apelidaram de mano. Porque mano é irmão, entendeu? >> O Pedro Paulo Soares Pereira ficou no caminho então? >> MANO BROWN: Não. Ele, o Pedro Paulo, ele vai assumir o cargo dele daqui a alguns anos ele vai voltar ao posto dele de novo, vai tomar o rumo da vida dele de novo. >> PAULO MARKUN: Mano Brown, muito obrigado pela sua entrevista. Obrigado aos nossos entrevistadores. Lembro que o Roda Viva completará, no próximo dia 28, 21 anos no ar. Sempre trazendo entrevistas, as mais diversas nessa condição absolutamente livre em que nem sempre a gente concorda com tudo o que é dito ali, sempre a gente garante que tudo o que seja dito no centro do Roda Viva chegue até o público que acompanha a TV pública no Brasil. Uma ótima semana! E até a próxima semana com o Ministro da Defesa Nelson Jobim! Até lá!

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